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PALAVRAS SÃO NAVALHAS.

BELCHIOR. Alucinação. Polygram, 1976.


Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou simplesmente Belchior, cantor e compositor cearense, foi uma das mais importantes vozes no cenário musical brasileiro no período pós-1968, os chamados “anos de chumbo”. À essa época, o paísl vivia o ufanismo resultante do “milagre brasileiro” com a censura exercendo uma vigilância exacerbada sobre o meio artístico.

Nascido na cidade de Sobral, Belchior, teve uma infância simples, de menino do interior. Mudou-se para Fortaleza com o objetivo de continuar seus estudos, ingressando no Liceu do Ceará. Cursou Filosofia e chegou a iniciar o curso de Medicina. Em meio à criativa boemia do início dos anos 70, o jovem cantor resolveu largar a faculdade e encarar a “vida de artista”, mudando-se para o Rio de Janeiro em 1971.[1]

Em 1972, começou a obter o reconhecimento nacional a partir da gravação de Mucuripe pela cantora Elis Regina. Em 1974 lançou seu primeiro disco, A palo seco, cuja música título tornou-se sucesso nacional. Em 1975, o cantor Roberto Carlos regravou a música Mucuripe. Em 1976 lançou pela PolyGram o LP Alucinação, que vendeu 30 mil cópias em apenas um mês, graças a sucessos como Apenas um rapaz latino-americanoVelha roupa colorida, A palo seco e, principalmente, Como nossos pais.[2]

Alucinação é considerado a obra prima do poeta cearense e “um dos discos mais importantes da música brasileira dos anos 1970, com canções que exprimiam a urgência do jovem brasileiro entre a violência do Estado e o fim do sonho de liberdade”[3]. Com este disco virava-se a página do Tropicalismo e inseria-se o folk-rock no cenário musical brasileiro.

Suas faixas estão repletas de referências que vão de Edgar Allan Poe à Luiz Gonzaga e Caetano Veloso. Além disso, “as sutilezas poéticas de sua obra são encantadoras, emocionam e gozam de uma liberdade que, por vezes, podem ser comparadas às genialidades de Fernando Pessoa e Bob Dylan”[4].

O disco foi gravado em apenas três dias, contando com a participação de experientes músicos ligados ao cenário do rock. Durante a pré-produção do disco, Belchior lhes mostrou as músicas ao violão. Todos adoraram aquele som, com uma postura folk internacional e letras muito particulares. Mas não tinham certeza se faria sucesso no Brasil, pois a linguagem era inovadora e diferente do que se fazia por aqui, na época. Entre a finalização do álbum e sua chegada às lojas, as rádios receberam cópias em fita do primeiro single, Apenas Um Rapaz Latino-Americano[5], que tocou incessantemente. O departamento comercial da gravadora ficou enlouquecido, porque a música começou a tocar muito e o disco não estava nas lojas.





Lançado em 1976, Alucinação ainda é um trabalho de referência na música brasileira. Por ser uma obra inovadora e revolucionária em termos de composição, é um disco que você tem que ouvir antes de morrer.

Ouça o disco inteiro em https://youtu.be/4ppq20oqW9c









[1] GIBRAN, Khalil. Alucinação, de Belchior, é o mais revolucionário álbum da história da mpb. Brasil 247. 30 abr. 2017. Disponível em https://www.brasil247.com/pt/247/cultura/293059/Alucina%C3%A7%C3%A3o-de-Belchior-%C3%A9-o-mais-revolucion%C3%A1rio-%C3%A1lbum-da-hist%C3%B3ria-da-MPB.htm  
Acesso em: 20 ago 2017.
[2] Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em http://dicionariompb.com.br/belchior/dados-artisticos  . Acesso em 20 ago. 2017.
[3] ESSINGER, Silvio. Em “Alucinação”, Belchior exprimiu a urgência do jovem brasileiro. O Globo. 30 abr. 2017. 
[4] GIBRAN, op. cit.
Acesso em: 20 ago 2017.
[5] VIEIRA, Renato. Alucinação, clássico álbum de Belchior, completou 40 anos em 2016. Correio. 30 abr. 2017.  Disponível em:

Comentários

  1. Excelente trabalho! Música de qualidade em tempos de degradação sonora!

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