Pular para o conteúdo principal


UM JUAZEIRENSE CHAMADO JOÃO












JOÃO GILBERTO. Chega de saudade. Odeon, 1959.


Nos anos 1950, a juventude, cansada do baixo-astral presente nas músicas de Lupicínio Rodrigues e de Antônio Maria, começava a se reunir em grupos para tocar violão. Para os pais era um absurdo, pois naquela época, violão era instrumento de vagabundo. O cream de la cream era tocar acordeão.

Em 1950, um certo juazeirense de nome João Gilberto, chegava à cidade maravilhosa, para fazer parte de um grupo vocal chamado Garotos da Lua. Por tabela, arrumou também um cabide na Câmara dos Deputados. Como não aparecia para cumprir o horário em nenhum dos seus empregos, acabou sendo demitido de ambos. Com isso, sem ter onde morar, perambulou pelas casas dos amigos, sem a preocupação de ajudar nas despesas ou mesmo na organização da casa. Com isso, era sempre convidado a “se mudar” para outro endereço.

Por essa época, Roberto Menescal e Carlos Lyra, dois adolescentes, já haviam inaugurado sua “academia de violão”, empreendimento que já se mostrara próspero, pois o número de alunos não parava de crescer. Entre estes alunos, encontrava-se uma jovem chamada Nara Leão, que acolheu o grupo que começava a surgir, realizando encontros depois das aulas no apartamento de seus pais.

João Gilberto, em 1956, sem ter onde morar, foi passar uma temporada com a irmã, Dadainha, em Minas Gerais. Voltou transformado, dominando uma nova forma de tocar violão e utilizando de um fio de voz para cantar. João Gilberto mostrou suas composições Ho-ba-la-lá e Bim-bom  para Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, e segundo Castro (1990), abriu-lhes os ouvidos para uma música brasileira muito mais rica do que jamais haviam imaginado.

Daí para gravar o seu 78 rpm com Chega de saudade, no lado A, e Bim-bom no lado B, foi uma questão de tempo. O disco vendeu 15 mil cópias, de agosto a dezembro de 1958.

A primeira apresentação da Bossa Nova, como movimento musical, aconteceu por essa época, no primeiro semestre de 1958, no Grupo Hebraico do Rio de Janeiro, com a presença de Sylvinha Telles, Nara Leão, Roberto Menescal e Carlos Lyra.

O Long Play Chega de saudade, foi lançado no primeiro semestre de 1959, e chegou à marca de  35 mil cópias em seu lançamento.

Na contracapa, pode-se ler o texto escrito por Tom Jobim, autor da canção Chega der saudade, em parceria com Vinícius de Moraes:



João Gilberto é um baiano, “bossa nova” de vinte e sete anos. Em pouquíssimo tempo, influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores. [...] Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. [...] Eu acredito em João Gilberto, porque ele é simples, sincero e extraordinariamente musical (JOBIM, 1959, contracapa do LP Chega de Saudade).





O sucesso do novo estilo musical foi tão avassalador para a juventude daquela época que cantores oriundos de outros estilos se aventuraram na nova onda. Um desses cantores foi Roberto Carlos, que lançou em 1960, Brotinho sem juízo, de autoria de Carlos Imperial, onde dizia: “Brotinho, não custa nada / Um pouquinho esperar / um dia com véu e grinalda / certinha você vai casar”, não obtendo sucesso.

Em fevereiro de 1960, a revista O Cruzeiro, rasgava-se em elogios, publicando extensa matéria sobre a Bossa Nova e seus criadores, onde poderia ser lido sobre João Gilberto:



Pela originalidade autêntica, João Gilberto produz um impacto de anticantor [...] sendo, isso sim, verdadeiro revolucionário afinado da interpretação. Seu precioso LP – o Hinário nº 1 da BN – também contém peças da Bossa Clássica transcendendo ao maneirismo da renovação (O CRUZEIRO, 13 fev. 1960, p. 110).





Por ter criado um novo estilo e por ser um bálsamo para os ouvidos, principalmente nos dias atuais, repletos de pseudo cantores, Chega de saudade é um disco que você tem que ouvir antes de morrer.



Ouça o disco Chega de saudade em: https://youtu.be/EQC4Ye7hr9Y

REFERÊNCIAS:

CASTRO, Ruy. Chega de saudade. A história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.



SILVA, Álvares. Os moços do samba. O Cruzeiro, 13 fev. 1960, p. 110.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INSÓLITA ARIDEZ U2. The unforgettable fire . Island, 1984. Em 1984, o mundo vivia sob a ameaça da destruição nuclear, sustentada pela disputa entre EUA e URSS. Vivíamos a Era Reagan. Nenhuma banda de rock soube traduzir, em suas músicas, esse tênue limite entre cena política e social como U2. The unforgettable fire , o quarto disco da banda irlandesa, tinha seu título surrupiado de uma exposição de pinturas dos sobreviventes de Hiroshima. Era o fogo inesquecível da bomba atômica queimando corpos e sonhos, em fins da Segunda Guerra Mundial. Mas o disco não se limitava a isso. A temática central de suas canções era o fato de que, por mais esperança que tenhamos, somos áridos e sem vida, e vivemos, de uma forma ou outra esperando pela morte. Assim é a vida. Não há o que fazer, apenas sonhar. Segundo as palavras de Bono, “o mundo se move pelos escombros de um sonho de paisagem”, e segue em sua retórica explicitando que “os muros da cidade foram todos colocados abaixo [..
O LADO ESCURO DA LUA PINK FLOYD. Dark side of the moon. 1973. Duas características que prevaleceram na maioria das bandas rock dos anos 1970: os discos conceituais e o virtuosismo. Pink Floyd detinha as duas. Com Dark side of the moon , a banda inaugurava o que se convencionou chamar de disco conceitual, onde “as faixas eram concebidas como filmes sonoros” [1] . Ou seja, o disco era uma obra completa, com começo, meio e fim, onde as faixas se encaixavam e se sucediam como frames de um filme, criando, dessa forma, uma narrativa e um ambiente próprios. Gravado no Abbey Road , estúdio mítico onde os Beatles gravaram Sgt. Peppers... ; Dark side... foi o oitavo disco do Pink Floyd, já com David Gilmour substituindo Syd Barret, o “diamante louco”. Suas músicas refletem as pressões do mundo moderno e as doenças da alma decorrentes (ambição, avareza, paranóia). Em suas letras: “Carro novo, caviar, [...] Acho que vou comprar um time de futebol” ( Money ); “Você tranca a porta
SANTUÁRIO DO ROCK THE CULT. Love. Beggars, 1985. Em 1985, a banda inglesa The Cult, lançou seu segundo álbum. Recheado de referências e influências do Led Zeppelin, Love veio ao mundo, ressuscitando a psicodelia de Hendrix e as guitarras de Page, acompanhadas pelo vocal a la Plant do jovem vocalista Ian Astbury. Na época, a banda foi saudada como a “mais vital das ilhas britânicas” (ESCOBAR, 1987, p. 34) e o álbum Love foi chamado de “uma aventura surpreendente” (BORBA JUNIOR, 1986, p. 18). O fato é que em suas dez faixas, a banda trata de assuntos ligados à natureza (influência da atração de Astibury pela cultura ameríndia) como em Brother Wolf sister moon , drogas em Nirvana e espiritualidade em Hollow man . O ponto alto, sem dúvida, é a faixa She sells sanctuary (vale a pena ver o clip oficial do single, presente na nossa playlist), onde o vocal de Astibury duela com os riffs da guitarra de Billy Duff, resultando em uma música de vibe avassaladora. Puro