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FÉ, POLÍTICA E ROCK.

U2. The Joshua tree. Island, 1987.




The Joshua tree foi o disco que alçou o U2 ao estrelato mundial. A partir daí, a banda tocaria em estádios lotados por todo o mundo, deixando pra trás suas apresentações em ginásios. Era o sonho americano que se tornava real para aqueles quatro rapazes do subúrbio de Dublin, Irlanda.

É claro que, para pavimentar seu caminho ao sucesso milionário, a banda fez sua via crucis. The Joshua tree é a continuação lógica do disco anterior, The unforgettlabe fire, que em 1984, já trazia influências da cultura americana, vide Pride e MLK (dedicadas ao líder pacifista Martin Luther King) e a belíssima Elvis Presley & America.

O fato é que The Joshua tree acabou sendo o amadurecimento natural pós-The unforgettable fire, associado à participação da bana irlandesa em eventos como Live Aid e Artists Against Apartheid.

Lançado em março de 1987, The Joshua tree trazia em suas letras e melodias questões como fé e política. No ano anterior, Bono Vox e sua esposa foram para El Salvador, como voluntários, ajudar as pessoas durante os conflitos bélicos que ali aconteciam. Sobre isso, fala Bono Vox:

Algumas coisas do disco foram inspiradas no tempo em que eu passei [...] em El Salvador e na Nicarágua. [...] Eu vi corpos sendo jgados num caminhão enquanto viajava por uma estrada. [...] Vi vilarejos sendo [...] bombardeados por aviões de caça enquanto eu estava a caminho para visitá-los (BONO apud COOK, 1987, p. 38).

O disco abre com Where the streets have no name, a obra prima da banda, onde Bono canta “as cidades – um dilúvio, e nosso amor começa a enferrujar, somos açoitados e varridos pelo vento, pisoteados pelo pó; vou te mostrar um lugar, alto na planície do deserto, onde as ruas não tem nome”. Segue com outro hit eterno, I still haven’t found what i’m looking for, inspirada nas canções gospel do protestantismo americano, onde se diz “Eu acredito no Reino Sagrado, quando todas as cores se fundirão em uma só”. Bullet the blue sky fala enfaticamente sobre El Salvador. “Eu posso ver aqueles aviões de guerra, pelas cabanas de barro onde as crianças dormem, pelas vielas de uma cidade tranqüila, [...] pelas paredes nós ouvimos a cidade roncar: lá fora é a América”.

A banda também utiliza, como temática, a vida dos mineiros de carvão em Red Hill mining town e as mães da Plaza de Mayo em Mothers of disapeared: “ através das paredes podemos ouvir nossas filhas chorando. Vemos suas lágrimas na chuva que cai”. A inspiração do rock americano e a influência de Bob Dylan, em Trip Through your wires e as visões oníricas de uma América idealizada em In God’s country: “os sonhos se movem sob o céu do deserto, os rios correm e logo perecerão, precisamos de sonhos novos esta noite”, para logo dizer que “todo dia os sonhadores morrem, para ver o que existe do outro lado”.

The Joshua tree é um exercício do velho rock and roll, engajado em questões sociais, mas que também fala sobre amor e Jesus, e as nossas sucessivas crises de fé. Tudo isso faz com que este seja um disco que você deve ouvir antes de morrer.

REFERÊNCIAS:
COOK, Richard. A crise da fé. Bizz. n. 23. jun. 1987.

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